Ifá, Òrìsà, dinheiro e fé
Tenho
assistido alguns comentários pejorativos na rede social contra os Nigerianos
que estão atendendo no Brasil em razão da valorização do dinheiro.
A verdade pode
até surpreender as pessoas que não conhecem a religião tradicional yoruba, mas quem
é iniciado, não se surpreende, a religião dos Òrìșàs em terras Nigerianas é bem
clara e tudo que se pratica está contido nos versos de Ifá.
No verso do
Odu Odi Ogbe explica que o dinheiro faz parte do ebó:
ÌDÌN OGBÈ
Bí bèmbé bá
ko gúdù
Quando bèmbé
faz sons de tambor
Gbogbo aya
oba ló njó
Todas
rainhas jovialmente dançam
A d’ifá fún
adabo
Lançou Ifá
para adabo (ajuda na manifestação do ebo)
Adabo nti
òrun bò wá ayé
Quando adabo
estava vindo do céu para a terra
A rú ebo náà
ni owó
Nós estamos
fazendo o ebo com dinheiro
Ifá kí o jé
ó fín
Ifá por
favor faça com que o ebo se manifeste
Tí ó bá tó
ebo, kí e jé ó fín
Se os
materiais para o ebo são completos deixe que ele se manifeste
Adabo jò ó
jé kí ebo, ó dà fún elébo ò adabo
Adabo por favor
deixe o ebo se manifestar para o cliente.
Tenho dito
exaustivamente que a teologia sem a filosofia é a neblina que ofusca os olhos
da verdade daqueles que se dizem religiosos.
Aqueles que
querem conhecer a religião tradicional de verdade devem ir até o território
Yoruba ou na medida do possível devem buscar uma forma de conviver algum tempo
com essas pessoas para que consigam entender essas questões.
Estamos
falando de uma religião milenar, estamos falando da cultura de um povo que mora
do outro lado do oceano, querer entender outra cultura baseado na educação que
recebemos aqui é quase impossível.
O discurso
de alguns críticos é infundado e rebuscado de maldade e de inveja daquele que
conseguem obter uma renda razoável vivendo da religião.
Na igreja católica
nenhuma criança é batizada sem que seja feito o pagamento ao padre, nas igrejas
evangélicas todos os rituais são subsidiados pelo dizimo dos fieis.
Porque na
religião dos Òrìșàs seria diferente?
O discurso
da caridade outrora divulgado pelas bases da igreja católica era proferido por
um líder sentado em um trono de ouro, é impossível aplicar isso para todas as
religiões.
Uma passagem
de ida e volta para a Nigéria tem custo bem alto assim como os materiais que
são importados, é evidente que de algum lugar deve sair o dinheiro para pagar
esses custos. É bem verdade que alguns exageram na hora de cobrar, mas o
pagamento é necessário.
No tocante
ao ifá a grande maioria dos sacerdotes começa a se preparar na infância estudando
a palavra de Òrúnmìlà, esses mesmos sacerdotes dedicam suas vidas a ifá e aos
estudos, como poderiam sustentar suas famílias se não tivesses o pagamento, já
que se dedicam com exclusividade a religião.
Se você for
sem dinheiro consultar um médico ele vai lhe atender?
Se você for
sem dinheiro consultar um dentista ele vai lhe atender?
Se você
precisar de um policial e o estado não pagar o salario dele ele vai trabalhar?
Não.
Estou
acostumado a escrever sobre assuntos deliciados, porém nesse caso escrever
sobre dinheiro para mim fica bastante complicado, porque também sou um
sacerdote sendo assim farei uma analogia desprezando o comparativo baseado no
fato que a fé é imensurável:
- Quando você
vai ao medico necessita fazer o pagamento, os custos das preparações de um bom
médico são altíssimos.
- Quando você
consulta um advogado necessita fazer o pagamento porque os custos da preparação
desse profissional são enormes.
- Um bom Bàbàláwo
é medico, advogado, psicanalista, além de orientador financeiro e um profundo
conhecedor dos males que afligem os seres humanos.
Por que as
pessoas têm dificuldades de entender o obvio?
Se você não
se alimenta, você morre, se você não coloca gasolina no automóvel ele não anda,
e se você não tiver dinheiro para pagar a água certamente não vai tomar banho,
porque o pagamento do trabalho do sacerdote da religião de Òrìșà é visto com
maus olhos.
A mola
propulsora do asè não é a fé, o que impulsiona os rituais é o conhecimento, com
fé sem conhecimento o resultado é um desastre, já o conhecimento aplicado em
quem não acredita alcança o mesmo resultado que alcançaria em um crédulo exemplo:
-Se uma
pessoa estiver desacordada na UTI e for necessário fazer um ebo, a fé do
beneficiado não implica nos rituais, o conhecimento e a fé do sacerdote que vai
fazer a diferença.
Toda vez que
um trabalho sacerdotal é contratado e o pagamento deixa de existir, o não
cumprimento de uma das partes prejudica a continuidade do que foi feito,
considerando o fato que o asè é combustível na manutenção da energia empregada.
Vou tentar
explicar isso de forma mais clara, mesmo sabendo que certamente serei mal
interpretado, mas supondo que o pagamento por um ebo ou iniciação não tenha
sido feito, a insatisfação de uma das partes bloqueia a energia gerada por ele
em desenvolvimento.
Na grande maioria
dos ebos é a energia do sacerdote que é usada para acessar o Òrìșà, um
sacerdote doente e fraco encontra limitações para desenvolver os rituais, da
mesma forma que um sacerdote insatisfeito encontra dificuldades para impulsionar
o seu asè.
Se o maior
de todos os Òrìșàs é o Òrì, o poder de realização esta ligada a satisfação, a
alegria, a felicidade e ao conhecimento assim como a saúde, esses elementos geram
a segurança e a confiança possibilitando a força e a realização.
Um sacerdote
insatisfeito ou inseguro tem o asé prejudicado, a preocupação assim como a inquietação
prejudicam a concentração, sem concentração a conexão com a força vital é
prejudicada.
O asé é
desenvolvido com o tempo, ele pode aumentar ou diminuir dependendo do
comportamento e do conhecimento do sacerdote, para a manutenção do asé é necessário
rituais, rituais custam dinheiro.
Então vai haver
quem me pergunte se com dinheiro tudo se consegue, eu responderei não.
Porem farei a seguinte consideração, sem o dinheiro pouco
ou quase nada se consegue.
Na formação
de um bom sacerdote a ética é fundamental, nesse caso ela atua como ponto de equilíbrio
na balança que limita a ganância e o poder.
Na década passada
alguns lideres religiosos em nosso país desenvolveram um discurso contra os
sacerdotes que viviam exclusivamente para a religião, diziam esses senhores que
no Brasil era impossível iniciar um Bàbàláwo, o tempo passou e a crise
financeira mundial incentivou os mesmos a mudar o discurso, hoje esses mesmos
senhores passam horas na internet anunciando iniciações no território nacional.
A falta de
fidelidade as convicções outrora divulgadas assim como a falta de ética de
alguns supostos sacerdotes terminam alimentando os discursos de ignorantes
sedentos de aplausos, essas manifestações contaminam a opinião daqueles que não
conhecem a religião yoruba.
A
precipitação daqueles que mesmo desconhecendo os assuntos emitem opinião é uma característica
clara ou da ignorância ou da ansiedade.
Òkànràn Osá
Ilè iwájú ti Olúwo ló ni k’èbo náà ó
fin
Com o ase de
meu Olúwo este ebo se manifestará
Ilè ti èyìn ti Ojùbònà ló ni k’èbo
náà ó fin
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